23 de setembro de 2014

Outonando*


Uma lâmina de ar

Atravessando as portas. Um arco,
Uma flecha cravada no Outono. E a canção
Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.
E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como
Uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio.
É outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza
Quando saio para a rua, molhado como um pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se
Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.
Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede
Cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se
Como se, de repente, não houvesse mais nada senão
A imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.
Não há um nome para a tua ausência. Há um muro
Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho
Que a minha boca recusa. É outono
A pouco e pouco despem-se as palavras.

- Joaquim Pessoa -



O Outono foi-me uma aprendizagem longa e complicada, assim como aquelas matérias de escola que simplesmente não conseguia apreender e encaixar. O Outono, durante demasiado tempo, não me fazia sentido. Tudo nele me era estranho, adverso e significava o fim dos dias quentes e longos de Verão, a minha estação do ano - e é minha não apenas por ser filha de Agosto, mas, acima de tudo, por respirar infinitamente melhor a partir da Primavera e ser mais eu mesma durante os meses estivais. Sem máscaras ou capas. Como se as camadas infindáveis de roupa que somos obrigados a usar durante a época mais fria do ano me servissem de armadura e me ajudassem a esconder-me um pouco mais do mundo. 

De há uns anos para cá, no entanto, o Outono deixou de ser um sacrifício e passou mesmo a ser uma época ansiada, passadas as primeiras semanas de Setembro. Consigo observar e entender todo o seu esplendor. Aprendi a vivê-lo o melhor possível e a abraçar tudo de bom que tem para nos oferecer. Já não me é tão estranho e desconfortável. Até mesmo os dias graníticos de Inverno me são menos pesados, agora que o frio e sobretudo a falta de luz, me são menos difíceis de suportar. 

O Verão, contudo, fica-me colado à pele e à alma o ano inteiro. Vou revivendo instantes e momentos felizes a cada raio de sol ou quando mergulho bem fundo na minha memória afectiva, a fim de ultrapassar dias mais cinzentos e gelados. Revejo fotografias dos dias estivais e das aventuras, mais ou menos pequenas, que vou coleccionando durante os dias mais longos e leves do ano, para ir recordando sempre que o coração aperta de saudades. Faço flashbacks mentais quando tudo se torna demasiado para a minha pele e os meus ossos aguentarem sem dor e esforço. Fecho os olhos e imagino-me na praia, naquela hora dourada de um fim de tarde quente e com cheiro a maresia, gelados e língua-da-sogra.

*Este post foi agendado para publicação, simbolicamente, às 3h29 desta madrugada, o momento exacto do Equinócio de Outono. Marca o início de uma nova estação e de um novo header aqui no blogue - a pena, por sua vez, vem simbolizar uma nova fase na minha vida, um recomeço que se quer mais leve, mais colorido, bem como um desejo de voar cada vez mais longe.

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