13 de novembro de 2012

S.Martinho


A mesa enfeitada pelas mãos da Micas, com as camélias, as romãs e os coelhos da avó A.. A lareira acesa, a A. de vestido de fazenda e botas castanhas. Fêveras ao almoço e memórias de outros tempos desfiadas por cada um de nós, numa tentativa de resgatar momentos e pessoas que nos fazem falta, tanta falta. De repente, tínhamos de novo ao nosso lado o tio J. a beber o seu vinho tinto num copo pequenino, como ele tanto gostava; a avó A. ajeitava os pratos, os talhares e as flores, para que tudo estivesse perfeito; o tio A. desapertava o cinto disfarçadamente para melhor acomodar a broa molhada na travessa das fêveras; a tia E. assobiava baixinho uma canção do Tony de Matos e o avô C. reclamava da política, do futebol, do tempo e do tempero da comida que tanta labuta dera na cozinha a quem sempre comanda as panelas lá em casa.


Da incontrolável passagem do tempo e da nossa finitude, o que mais me custa é saber que há coisas que os mais novos da família nunca irão viver, pessoas a quem nunca conhecerão o cheiro e o colo, lugares que nunca mais serão como os conheci, momentos que, por tudo isto, não se repetirão jamais. 


Bem sei que é a lei da vida e que a mesma não pára. Tudo tem o seu tempo e novos tempos surgem a cada dia. Há que reinventar tradições, criar novas memórias e procurar transmitir aos que agora vão chegando esse legado de afectos que também os constituem. Essa é, aliás, a melhor forma de honrar todos os que já partiram - mantê-los vivos nos corações dos que ficam, fiéis à sua verdade, sem endeusamentos.


Seguir em frente. Desbravar o futuro com lanternas de papel e garrafas de plástico reutilizadas. Resgatar a infância em menos de meia-hora, entre tesouras e lápis de cor. Recuar a um tempo em que era eu quem usava tranças, vestidos de fazenda e dedos sempre rabiscados. 


Produzir sorrisos rasgados e olhos brilhantes pela magia das coisas simples, pelo calor de uma vela acesa numa noite escura e fria. Ensinar cantigas numa língua estranha a quatro anos e meio de gente, criatura bilingue, que ficou a achar que eu conheço todas as línguas do mundo, como as fadas.


Percorrer os corredores que nos viram crescer a todos, descer e subir as escadas, testar rapidamente a temperatura do jardim e regressar a casa, que as gripes ainda não estão completamente curadas e há mais festejos anunciados para os próximos dias. Datas importantes no calendário dos afectos. Dias de memórias felizes, como espero que venham a ser estas pequenas memórias que teimo em semear na nossa pequena feiticeira (a fase princesa deu lugar à descoberta do mundo fantástico e da magia).


Domingo, apesar de tudo, foi um dia iluminado. Por ela, para ela. Para todos nós. No final da noite, comeram-se castanhas assadas com mel e manteiga e aqueceu-se a alma com licor de hortelã.

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