19 de outubro de 2012

Dias cinzentos, estes que vivemos.


Amor como em casa *
 
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

- Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde" -


* Este poema, sempre este poema. Para sempre.

2 comentários:

Strangers disse...

cruzei-me há poucos meses com o título do livro «Ainda Não É o Princípio Nem o Fim do Mundo Calma É Apenas um Pouco Tarde». foi um feliz acaso.

*Não o Sonho*

Talvez sejas a breve
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora.

Manuel António Pina, in "Atropelamento e Fuga"

Mar* disse...

A poesia do Pina é especial. Como ele próprio, segundo os seus amigos e todos os que privaram com ele. As suas crónicas também me vão fazer falta. Mesmo quando estávamos em desacordo, havia sempre algo que as palavras dele me acrescentavam e me faziam pensar.

("Ainda Não É o Princípio Nem o Fim do Mundo Calma É Apenas um Pouco Tarde" é o meu livro de poemas preferido dele.)