11 de março de 2010

Exercício terapêutico,3

O som dos espanta-espíritos. O barulho do mar a rebentar na areia. Salmão grelhado com bastante limão. Ler na praia, quando já todos foram embora. Coleccionar postais. Escrever cartas. Papel de carta. Canetas de tinta permanente. Carimbos e lacres. Papelarias. Perder-me horas na "La Chiave" e querer comprar tudo. O meu (nosso) quarto em Roma. A Via Luigi Ceci. As cores e sons do Porta Portese. Os gelados da Della Palma e todas as recordações que daí advêm. Os gelados que comi na minha infância, aos três e quatro por tarde, com a cumplicidade do avô C., que não contava nada a ninguém. Os dias de praia com todos, que começam bem cedo, em casa, com os preparativos do farnel. As idas a Alcañices e a Zamora fazer compras. As alpercatas de todas as cores compradas no Manolo. Os casaquinhos, as blusas e os cachecóis feitos pela avó A. . As guitarradas com o tio A. e os primos. O alpendre da casa de V. . Os almoços e jantaradas. As festas de Verão, os bailaricos, o Campo e a Senhora do Caminho. Neve. Sentir os flocos de neve desfazerem-se no rosto. Esquiar. O nevão na Sanabria e o cachecol do JM que nunca mais apareceu. Viajar de carro com os meus pais. Ouvir rádio no carro. Cantar a quatro, dentro do carro e a plenos pulmões, a "Barcelona", do Mercury e da Caballé. Percorrer a ex-RDA pouco depois da queda do Muro. Andar de canivate na mão, com o meu irmão, a tentar partir lascas do Muro para trazer como recordação. Jantarmos soberbamente em Marselha e ouvir o meu pai dizer "um dia não são dias", feliz da vida. As viagens e os passeios com o P. A minha chegada ao Funchal. As gargalhadas e a boa-disposição contagiante da P. Peixe-espada preto grelhado. Bolo do Caco. A humidade quente que se cola na pele. Ginger Ale gelado. Guaraná. A feijoada da V. e a da minha mãe. A casa de S. O arroz de frango em forno de lenha da avó C. . Jogar canastra com a V. e a galera. Os fim-de-semana em casa dos F. . Artesanato. Tradições populares. Exposições e museus. Ver exposições com a minha mãe. Aguentar horas na fila para o Museu do Vaticano com a S., por ser de graça no último domingo de cada mês. Serralves em Festa, o museu, os jardins, a Casa e a Casa da Quinta. Os bairros de Lisboa em noite de Santo António. Campo de Ourique e o Jardim da Estrela. O Chiado. Festas de aniversário de crianças. Gelatina com molho quente de baunilha. As festas do Colégio. Os musicais e as peças de teatro. Glühwein. Raquelette e schnapps. Honigkuchen. Calendários de Advento com chocolate. Weihnachtsplätzchen na cozinha do Colégio com o Herr K. . Os beijinhos da Senhora A. . Os Clérigos. A Cordoaria. A fachada, a escadaria e os tectos da Lello. Cedofeita. A Botónia e a Casa Rocha. Os Armazéns Marques Soares. As calças da Cenoura e os pullovers da Benetton. As sandálias douradas iguais às da R. compradas na Teresinha. As botas com o Snoopy e atacadores vermelhos. O Snoopy e os Peanuts. A Turma da Mônica. A Rua Sésamo. As novelas da Globo e o Pantanal. As tardes a costurar com a M. e com a avó A. . Mesas de camilha. Máquinas de escrever. Iogurtes caseiros. As Piadinhas da Tia B. . Subir o Marão. As praias de Ofir. Dias longos e preguiçosos de férias. Água fresca. A piscina só para mim. Sessões fotográficas com a minha irmã. A algazarra feliz das vozes que me são familiares e queridas. Dias serenos. 


Estou bastante melhor, fisicamente, e os ataques de afonia passaram por completo. Agora há que tratar da alma, tarefa sempre bem mais complicada. Continuo em terapia, pois, como diz o ditado, "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura" ou "quem espera sempre alcança" ou "devagar se vai ao longe". 
Dizem que a felicidade é o caminho e que este se faz caminhando...eu (ainda) acredito, apesar de tudo.

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