21 de fevereiro de 2009

Now I can understand it...

"Mumbai é o emblema do capitalismo selvagem, sem sistema social de protecção. Do desenvolvimento sem criação de classe média ou bem-estar social. Sem igualdade de oportunidades. Quem vai a Mumbai volta de Mumbai encantado, a metrópole é atraente com aquele calor tropical e os odores varridos pelos ventos marítimos. O Taj Mahal, a baía, Colaba, Elefanta, o Gate of India, a estação vitoriana, o críquete. Quem vai a Mumbai nunca conhece Dharavi. A classe dominante não vê problema nas manchas de miséria da cidade, sabe que para a Índia avançar aqueles seres têm de ser deixados para trás. Abafadas por oleados azuis no tempo da monção, cerca de um milhão de pessoas (há quem diga que são menos) esconde-se numa destituição que faz das favelas do Rio condomínios.

Não muito longe, mulheres cobertas de saris de lantejoulas e diamantes lancham nos hotéis de luxo, sem ostentar preocupação social ou caritativa. O sistema sustenta-se dos sonhos, os de Bollywood e os da televisão, e os apresentadores dos concursos são actores amados como deuses. Amitabh Bachchan é o Zeus deste Olimpo. Na vida, Jamal nunca ganharia o concurso. Boyle dá a ver a impiedade com a pincelada do retratista a cores. O filme devia ser brutal como um filme de Fernando Meirelles e não é. Porque acaba bem. Porque as pessoas não suportam muita realidade, como dizia Eliot. Porque Boyle fez daquilo uma homenagem radiosa a um mundo, o nosso, onde todos querem ser milionários na televisão, a anestesia geral que Dickens não previu. E porque se passa na incrível Índia."

- Clara Ferrreira Alves, aqui. -


Slumdog Millionaire poderá não ser um filme perfeito, mas é uma lufada de ar fresco e um murro no estômago, apesar do final idilicamente feliz. Muito provavelmente saíra do Kodak Theatre, amanhã, com vários Óscares no currículo, entre eles o de melhor filme. A mim não me surpreenderá nada e, a ser verdade, não será um injusto vencedor.

Porque o filme tem uma dinâmica muito própria, nunca cansa, consegue ser, ao mesmo tempo, brutalmente cru e real e romanticamente belo. Porque se consegue cheirar a Índia, o seu colorido, as suas desigualdades a vários níveis, as suas contradições. Porque durante duas horas me permitiu viajar por uma outra realidade, por vezes tão mal interpretada por todos nós, ocidentais, e porque acabei de ver o filme com uma enorme vontade de apanhar o primeiro voo para a Índia, vestir um Sari colorido e deixar-me perder por entre os formigueiros de gente das suas cidades e enibriar os sentidos com a sua cultura e tradições.


Ah!, e tem uma banda sonora contagiante :)  

Pirosa?! Talvez... mas eu gosto!

Anunciando que acabou o dia...

Eu tenho uma casinha lá na Marambaia
Fica na beira da praia, só vendo que beleza.
Tem uma trepadeira que na primavera
Fica toda florescida de brincos de princesa.
Quando chega o verão eu sento na varanda,
Pego o meu violão e começo a tocar.
E o meu moreno que está sempre bem disposto
Senta ao meu lado e começa a cantar.
Quando chega a tarde um bando de andorinhas
Voa em revoada fazendo verão
E lá na mata um sabiá gorjeia
Linda melodia pra alegrar
meu coração
Às seis horas o sino da capela
Toca as badaladas da Ave Maria
A lua nasce por de trás da serra
Anunciando que acabou o dia.

- Só vendo que beleza (Marambaia), por Maria Bethânia e Omara Portuondo -

Costumo cantar esta canção para adormecer a minha Mary Mary... "canta-me a anunciando que acabou o dia", costuma pedir-me baixinho, "mas em brasileiro, senão não tem piada!".

Seria, ainda, possível despistar o coração na linha melódica do pensamento? *

«É como se eu tivesse entrado clandestina, apesar do visto no meu passaporte. De fininho, para que não me vissem, para que não vissem as coisas invisíveis que eu trazia na mala».

«é muito mais freqüente topar com criaturas que nunca mais vou ver do que o contrário. A vida não se faz de reencontros. Faz-se muito mais de tangentes, de movimentos periféricos, de olhares fugidios que no instante seguinte já se dissiparam».

«Fazia algum tempo que todas as vozes humanas já tinham se calado dentro dos seus pensamentos. O mundo já não falava um idioma específico. Todas as coisas eram muito longe dali.»

«O silêncio era um lugar dentro do coração. O silêncio encobria talvez o perdão necessário, o armistício, o silêncio era uma permanência.»

«Deve haver como me perder para encontrar aquele lugar no mundo que nunca foi pisado antes, um território realmente virgem. Deve haver um modo, quem sabe, de partir em viagem e não regressar mais.»

- in, Rakushisha, de Adriana Lisboa - *

18 de fevereiro de 2009

All I know is that I should...

There were sounds in my head
Little voices whispering
That I should go and this should end
Oh and I found my self listening

- Where I stood, Missy Higgins -

The whole truth




Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo. Morre lentamente quem destrói o seu amor próprio, quem não se deixa ajudar. Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante. Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor, ou não conversa com quem não conhece. Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru. Morre lentamente quem evita uma paixão e o seu redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, e os corações aos tropeços. Morre lentamente quem abandona um projecto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe. Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz, com o seu trabalho, ou amor, quem não arrisca o certo pelo incerto, para ir atrás de um sonho, quem não se permite, pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

- Martha Medeiros, lida aqui.